Descartei imediatamente a possibilidade de suicídio, pois a moça estava deitada em forma de cruz e não poderia ter pregado em si mesma os pregos que a mantinham fixa ao chão, nos pulsos e tornozelos. Como se isso não bastasse, seu abdômen estava aberto, e vários de seus órgãos estavam revirados e espalhados por sobre seu corpo despido.
Mas o mais bizarro daquela cena brutal era uma inscrição feita em sangue na testa da garota, em um idioma que eu desconhecia. Parecia antigo, talvez sânscrito. Era o retrato mórbido de um assassinato cruel realizado por uma pessoa de aparente cultura elevada, mas com um notável e perigoso distúrbio psicológico.
Com certeza, não era um dia como os outros. Eu precisava avaliar em detalhes essa cena e descobrir o quanto antes o paradeiro do assassino, pois um calafrio na minha espinha me alertava de que esse poderia ser apenas o primeiro de uma série de crimes complexos e inexplicáveis.

Telefonei para a delegacia e solicitei que a perícia viesse o mais rápido possível. Em seguida, pedi que Angela conseguisse um especialista em idiomas antigos.
Enquanto a perícia não chegava, aproveitei para observar alguns detalhes da cena bizarra em que eu encontrava-me inserido. Cobrindo a cama tinha um lençol bagunçado. Não havia poeira em cima do lençol, o que parecia garantir que alguém tinha usado há pouco tempo. Embaixo da cama só havia poeira, mais algumas baratas e um rato morto. Constatei que os pratos em cima da pia continham restos de pizza e comida chinesa, o que foi confirmado pelas caixas encontradas debaixo da pia. Com certeza haveria impressões digitais. No armário encontrei uma caixa de cereais e um queijo mofado, além de uma faca de cozinha. O banheiro era claustrofóbico e estava imundo. Tinha cabelos no ralo e eram curtos e escuros.
Nenhuma pista realmente interessante. Mas confio na perícia e nas impressões. Telefonei novamente para Angela e pedi para ela verificar quem era o proprietário do imóvel, se estava alugado, etc.
Eram 11:30 quando os peritos chegaram. Um especialista em análises químicas e um médico. Joe e Charles. Mostrei a eles o local todo, pedi para Joe coletar impressões por toda parte. Pedi para analisar os restos de comida, os cabelos do ralo, e também o sangue da inscrição na testa da vítima. E pedi a Charles que identificasse o horário e a causa da morte.
Deixei-os trabalhando, pedi a um policial que ficasse de vigia e fui almoçar com o outro policial, o que foi dirigindo a viatura. Eu tinha visto na vinda uma cantina italiana a apenas duas quadras.
Almocei calmamente, enquanto refletia sobre o crime. Por que a vítima estava com uma expressão calma? Como o assassino tinha saído do quarto? O que significava aquela inscrição?

Após almoçarmos, telefonei novamente para Angela.
- Cadê o especialista em idiomas??
- Há apenas dois na universidade. Um está viajando e falei com esposa do outro, ele não está em casa, ela não sabe aonde foi nem usa celular. Mas pedi que retornasse quando ele aparecesse.
- E o proprietário do edifício?
- Um tal de William Hughes. Está alugado há dois meses no nome de James Joyce.
- James Joyce? Só pode ser falso! Peça ao sr. Hughes para comparecer à delegacia amanhã pela manhã.

Voltei ao local do crime e observei a perícia terminar o seu trabalho. Charles concluiu logo:
- Não pude ainda identificar a causa da morte, Paul. Terei que fazer análises laboratoriais. Mas uma coisa é certa: ela estava viva quando os pregos foram fincados e quando o ventre foi aberto. Quem tiver pregado a garota no chão, usou de muita força, pois os braços foram atravessados pelos pregos em um único movimento. Ao mesmo tempo, usou de delicadeza ao abrir o abdômen dela. Tem conhecimentos anatômicos, pois não feriu nenhum órgão, apenas tirou-os do lugar.
- Posso assumir que usou um bisturi?
- Possivelmente.
- E o horário?
- Essa parte é preocupante. A garota está morta desde 15:50 de ontem.

Joe demorou mais algumas horas, realizando as mais diversas análises. A tarde estava acabando quando ele me chamou para relatar os resultados:
- Cara, tá lotado de impressões por todo canto. A garota deixou impressões no corrimão, num copo, na torneira e em alguns lugares pelo chão. As demais impressões são de um cara chamado Dennis T. Brown. 32 anos, não é fichado. Contudo...
- Vamos, diga logo!
- O sangue na testa não é da garota nem do dono dos cabelos no ralo, que também deixou saliva nos pratos.
- E não tem impressões na testa dela, de quem tenha colocado esse sangue?
- Não.

Saí do edifício. Era noite. Eu tinha mais perguntas que antes. Mas tinha algumas pistas também, e o sr. Brown estava encrencado.
A rua era escura e um poste distante fazia a iluminação. Seria prudente interrogar a vizinhança, para ver se alguém tinha notado algo suspeito.
Avistei um movimento distante e me virei bruscamente. Mas era só um gato. Um gato preto, cuja sombra longilínea tinha me assustado. O gato subiu no muro e dele saltou para a janela do edifício, no primeiro andar, e entrou.


(inspirado na imagem acima, sugerida por Mariana Sathie)

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