Saindo da Universidade, telefonei para Angela, e ela me confirmou que a instalação da equipe no local do primeiro homicídio estava sendo providenciada neste exato momento. Eu estava ainda me dirigindo ao carro, onde o policial me aguardava, quando Joe me telefonou:
- Paul, identificamos a garota.
- E?
- Noriko Yamato, 19 anos, pais japoneses, nascida aqui. Falei antes com Angela e ela estava entrando em contato com a família.
- Certo. Vocês estão indo para a nova base de operações?
- Vamos para lá agora. Mas você providenciou uns colchões? Estamos pregados!
- Direi a Angela para providenciar. Até já!
Enfim cheguei na viatura, e nos encaminhamos para o edifício que tomamos como sede. Estacionamos na rua íngreme onde ficava a antiga casa de três andares que fora palco de um crime e que agora seria o bureau de investigações da série de assassinatos.

Ao chegar ao local, encontrei Angela acompanhada por um casal formado por uma senhora longilínea e muito branca e um senhor de compleição robusta, com fortes olheiras.
- Sr. Rocket, esses são o sr. e a sra. Grynspan, os pais da vítima.
- Sou Paul Rocket, queiram me acompanhar, por favor.
Angela me indicou uma sala logo após a entrada, onde ela tinha instalado uma mesa e algumas cadeiras e poderia ser meu escritório. Os pais da vítima encontrada na segunda sentaram-se na minha frente.
- Sr. e sra. Grynspan, antes de mais nada, as minhas condolências pelo ocorrido. Estou buscando descobrir a verdade sobre o acontecimento e garantir que os responsáveis paguem pelo que fizeram. Quando foi a última vez que viram sua filha?
O sr. Grynspan logo respondeu, com uma rouca e anasalada voz:
- Sábado no início da noite.
- E como ela desapareceu?
- Bem, Julia nos avisou que iria para a casa de uma amiga passar a noite e voltaria no domingo. Mas não deu mais notícias.
- E vocês telefonaram para a amiga dela?
- Sim, no domingo à noite. Ela disse que não tinha acertado nada com Julia e que nossa filha não tinha dormido lá.
- Mas vocês deram parte na polícia do desaparecimento?
- Apenas na segunda-feira, pois... bem, o senhor entende, as adolescentes de hoje são muito independentes. Pensamos que a nossa Julia deveria ter saído com algum rapaz e voltaria na segunda-feira para ir à escola.
- Entendo... a srta. Grynspan apresentava algum comportamento estranho nos últimos dias?
- Bem, de uns meses para cá, ela andava se vestindo de preto e se recusando a ir à Igreja.
A sra. Grynspan cruzou um olhar apressado com o marido, e eu suspeitei que não quisesse passar a imagem de que a filha tivesse tendências anti-religiosas.
- Vocês poderiam deixar com Angela o nome e o telefone da amiga da srta. Grynspan?
- Claro.
- Agradeço pela colaboração de vocês. Voltarei a entrar em contato caso haja necessidade de novos esclarecimentos.

Assim que o casal saiu, Angela apareceu.
- Sr. Rocket, o sr. e sra. Yamato, pais da segunda garota, estão do lado de fora. Posso mandá-los entrar?
- Pode.
Então vi um casal de japoneses tradicionais. Ambos eram de baixa estatura e usavam óculos. O pai tinha cabelos curtos e grisalhos e a mãe tinha cabelos na altura dos ombros, negros.
- Sou Paul Rocket, responsável pela investigação. Sinto muito por tudo que ocorreu, estamos trabalhando para identificar os responsáveis por essa tragédia. Quando foi a última vez em que viram a sua filha?
- Na sexta-feira cedo. - respondera a sra. Yamato. Seu marido estava visivelmente abalado.
- Em que circunstâncias?
- Noriko era arrumadeira em um hotel. E sempre saía após o café da manhã para o trabalho e voltava no início da noite.
- E quando deram pela falta dela?
- Na noite de sexta, pois ela não costumava atrasar.
- Ligaram para o hotel?
- Ligamos para uma amiga que trabalha com ela, e ela disse que Noriko tinha saído no final do expediente.
- E ela não notou algo estranho?
- Sim, Noriko saiu acompanhada por um hóspede do hotel.
- E o que vocês pensaram?
- Que ela tivesse fugido com esse homem.
- Compreendo... ela não costumava fazer isso?
- Não.
- Havia algo de estranho no comportamento dela ultimamente?
- Não.
- Vocês poderiam deixar o telefone do hotel e da colega de trabalho da srta. Yamato com Angela?
- Acho que não vai ser um problema.
- Obrigado por virem. Angela manterá contato.

As duas garotas haviam sumido sem explicações. A primeira provavelmente deva ter ido encontrar com um homem mesmo, pois desconfio que ela já tenha feito algo similar. A segunda definitivamente saiu com um hóspede do hotel. Seriam a mesma pessoa? Seria nosso assassino? Preciso falar com a amiga da srta. Grynspan e com o pessoal do hotel.


("levemente" inspirado na imagem acima, da cidade de São Francisco, encontrada pela net)

1996

Ela se chamava Julia.
Tivemos um intenso relacionamento e quase chegamos a nos casar, mas um fator inesperado nos afastou bruscamente.
O fato se deu na inesquecível e quente tarde dum longínquo agosto de 96. Abri a janela e me deparei com seu quarto sem móveis. Olhei para baixo e consegui ver o caminhão de mudanças recolhendo os pertences. Saí pela porta correndo e pressionei repetidas vezes o botão do elevador. Quanto mais pressa temos, mais os elevadores demoram parados em outros andares. Ou será apenas uma impressão? Bem, não aguentei esperar e pus-me a descer os cinco lances de escada apressadamente. Eu saltava de três em três degraus. Meu coração parecia querer pular de uma vez e me abandonar.
Lá embaixo cheguei e disparei a correr para o estacionamento do Bloco B, onde Julia morava. Estava completamente sem fôlego quando a avistei. Estava no banco de trás do carro dos seus pais. O carro estava saindo e ela pôs em mim os seus olhos e, enquanto o carro se afastava, sem uma única palavra ou aceno de adeus, desapareceu da minha vida.

Em 9 de fevereiro do mesmo ano, eu completara 14 anos. Estava animado, pois antes dos 18, sempre achamos bom ficar mais velhos. Além disso, era sábado e eu não tinha que ir à aula.
Eu mal tinha tomado café quando percebi pela janela que havia novos vizinhos no apartamento do bloco de frente, ocupando o imóvel que antes pertencia a uma senhora idosa e seu gato. Da janela da nossa sala, era possível ver a sala deles, e vi um casal entrando, com uma criança de colo e uma garota muito branca, com longos cabelos negros. Ela usava um vestido florido e chamou minha atenção. Logo desapareceu no corredor, e torci inesperadamente para que ocupasse o quarto cuja janela ficava de frente para a minha. Segui até a minha cama e vi a garota abrindo o guarda-roupas e transferindo suas vestes de uma mochila surrada para ele.
Pelos próximos dias, eu sempre espiava discretamente seus movimentos. Abria uma pequena brecha na cortina do meu quarto e a observava. Minha intenção na época era capturá-la trocando de roupa, mas ela não se descuidava e sempre fechava a cortina antes de fazer isso.
No final do mês, comprei um binóculo. E me assustei ao usá-lo pela primeira vez. Pude ver seu rosto de perto. Tinha olhos escuros como apenas a completa ausência de luz pode ser. E seus cabelos eram sedosos, sua pele macia e impecável, seu nariz afilado e a boca vermelha como se estivesse usando batom. Era linda aquela garota!
Continuei a espiá-la dia após dia e, apenas cerca de dois meses após a mudança, pude encontrá-la pessoalmente. Uma coincidência nos uniu no mesmo ônibus indo para casa. Ela usava uma calça jeans e blusa de alça, seus cabelos estavam soltos e pude admirá-la, de três cadeiras atrás. Descemos, obviamente, no mesmo ponto. Caminhei logo atrás dela, mais devagar do que o habitual, mas sem ter a intenção de desgrudar meus olhos um instante. Quando passamos pelo portão do condomínio e ela percebeu que mais alguém entrara com ela, virou sua cabeça e me viu pela primeira vez. Mas logo seguiu adiante para seu apartamento.
Estando eu em casa, a espiava. Caso ela não estivesse, eu ficava de olho para não perder nenhum momento. Era linda. Seus movimentos eram graciosos e eu me regojizava quando ela sorria animada em alguma conversa.
Um certo dia, ela não estava em casa e eu precisava estudar, entao me deitei na cama para ler o livro de geografia. Quando dei por mim, ela estava no quarto. Instintivamente, apanhei o binóculo na cabeceira e a olhei. Acabei esquecendo a discrição e fui pego em flagrante. Ela olhou pela janela distraidamente e me viu. Baixei imediatamente o binóculo e ela estava me observando. Rapidamente sumi da janela.
Passei um dia afastado e voltei a usar a cortina. Mas volta e meia eu a pegava olhando para a minha janela.
O tempo foi passando. Poucas foram as vezes em que nossos horários coincidiram. Algumas a vi no carro dos pais e ela apenas me olhava. Outras eu não tive coragem de me aproximar e me afastava sem ser percebido.
Quando eu não a estava observando, estava pensando nela. Sonhava em tocar a campainha do seu apartamento e me apresentar. Sonhava com a gente namorando. E até mesmo casando. Seus pais pareciam simpáticos e achei que iam gostar dos meus.

Enfim, na véspera do fatídico dia de agosto, antes de dormir, fui dar a espiada básica e ela estava na janela com a luz do quarto acesa. Não sei como ela sabia que eu estava ali, mas pegou um caderno e rabiscou algo e então segurou de frente para a janela, para que eu pudesse ler. Estava escrito:
JULIA
Era esse o seu nome. Julia... Aquela que eu pensava que seria minha futura esposa. Então ela apagou a luz e se deitou.
No dia seguinte, quando cheguei do colégio e almocei, vislumbrei o quarto vazio.
E senti escapar por entre meus dedos os sedosos e lisos cabelos negros da alvíssima Julia. Aquele olhar quando se afastou no banco de trás do carro... eu nunca pude esquecer.
Guardei num cantinho especial da minha memória aqueles dias especiais de 96, em que admirei a bela Julia e inocentemente sonhei com um futuro ao seu lado. Nunca mais a vi, mas jamais a esquecerei.

Essa foi uma das histórias doces da minha adolescência.


O lugar era um completo caos. Caixas empilhadas, roupas bagunçadas por toda parte, muita poeira. Parecia inacreditável que há apenas alguns dias o sr. Brown teria dormido ali. A impressão que passava era de que fazia pelo menos seis meses que ninguém abria aquela porta. Era apertado, e não tinha banheiro próprio. Tinha alguns restos de comida numa micro-mesa no canto esquerdo. Alguns ratos se aproveitavam da falta de higiene do local. O policial ficou do lado de fora enquanto fiz uma pequena revista. Não encontrei nada que parecesse suspeito. Mesmo assim liguei para Angela, e pedi que ela logo movesse Joe para o local, com a finalidade de confirmar as impressões digitais e o DNA nos restos de comida.
Devolvemos a chave para sra. Mary, mas avisei que pela tarde viria um perito coletar alguns dados.

Eu e o policial fomos almoçar, por minha conta, e enquanto comia um sanduíche, pus-me a refletir.
Onde está o sr. Brown? Algo na minha intuição me diz que ele não tem relação com os crimes, mas as pistas apontam o contrário. Ele estava no edifício na proximidade do primeiro crime. Mas no segundo não foram encontradas suas impressões. Se ele foi descuidado no primeiro, o seria no segundo, não é? Não, a mente por trás desse mistério é mais perspicaz e elaborada que isso. O sr. Brown é uma pista falsa.
Enquanto eu deliberava, meu celular tocou. Era Angela.
- Sr. Rocket, um dos peritos em idiomas entrou em contato.

Angela me passou o que o catedrático tinha informado e fui à Universidade encontrar-me com ele, munido de algumas fotos das inscrições nas duas vítimas.
Lá chegando, achei uma secretária no Depto. de Línguas e indaguei sobre a sala do tal professor. Ela me disse que ele estava em aula, mas que eu poderia esperar em sua sala, e me conduziu ao local.
A sala ficava num corredor empoeirado e escuro no subsolo do edifício. A garota abriu com uma chave antiga uma pesada porta de madeira, acendeu uma lâmpada amarelada e pediu que eu esperasse ali.
Tão logo ela se afastou, pus-me a observar melhor aquela sala. Havia quatro longas estantes de livros, os quais perscrutei superficialmente com meus olhos. Exemplares em grego, em latim, inglês arcaico e alguns no que parecia ser sânscrito. Além das estantes, havia uma mesa com 6 cadeiras, de madeira antiga. Aliás, tudo naquele lugar era antigo, exceto um computador em uma escrivaninha. Na parede havia alguns quadros: uma viela escura sob forte chuva; um mostro atacando crianças; um casebre escondido em mata fechada; e... um quadro que me intrigou o suficiente para prender minha atenção por vários minutos. Não sei o que havia de especial nele, mas não pude deixar de admirar as cores intensas e a expressão na face da criança que estampava a moldura. Era uma franzina garotinha loira de vestido listrado azul e branco, carregando em suas mãos uma imensa chave. Ao seu redor, várias fechaduras reluziam num verde fosforescente, convidando-a a descobrir que segredos encerravam. No chão, de uma fechadura aberta, emergia o que parecia ser uma árvore distorcida. Numa segunda análise, desconfiei que dos ramos daquela árvore saíam as demais fechaduras, como se fossem seus frutos.
- Belo quadro, não? Gosto de chamá-lo "A garota e a chave", mas esse não é seu nome original.
- É verdade... que cores! Chamou-me a atenção. Presumo que o sr. seja...
- Isaac Rosenberg.
- Sou Paul Rocket. Minha secretária falou com o senhor há pouco.
- Oh! O policial. Algo relacionado a sânscrito, não é?
- Exato. O senhor sabe citar pessoas na cidade que escrevam em sânscrito?
- Meu jovem, não é um idioma comum. Creio que apenas eu e o professor Jacobs conhecemos a escrita a fundo.
- Compreendo... Podemos nos sentar?
- Claro, claro!
Sentamos em duas cadeiras da mesa no centro de sua sala.
- Duas garotas foram mortas e em seus corpos foi encontrada uma inscrição que parece ser em sânscrito.
Enquanto eu dizia essa frase, retirei da minha pasta algumas fotos em close das inscrições em ambas as garotas e as coloquei à sua frente. O homem pareceu-me assumir um semblante preocupado e após alguns minutos observando as fotos, colocou-as novamente na mesa, tirou os óculos e passou os dedos da mão direita nos olhos fechados, franzindo a testa, como se tivesse enfrentando uma situação difícil.
- Sim, é sânscrito.
- E o que significa?
- A tradução que talvez seja mais apropriada para essa palavra é "Obedeça".
- Obedeça?
- Sim, como uma ordem.
- Imagino que não faça idéia do que isso possa significar, correto?
- No momento não me recordo de nada. Mas posso fazer uma pesquisa para o senhor.
- Bem, agradeço sua colaboração, sr. Rosenberg. Se tiver algum sucesso, me procure. Minha secretária manterá contato.
- Pois não, senhor detetive.
Saí da Universidade mais encucado do que estava antes. O que queria dizer "Obedeça"? Como essa simples palavra pode se relacionar com dois assassinatos? E, acima disso, o quadro da menina com a chave insistia em permanecer na minha cabeça.


(inspirado na imagem acima, sugerida por Lucas Altamar)


Logo chegou o momento de interrogar as duas Manilow. Angela me avisou elas estavam aqui e pedi que entrassem.
- Muito bem, srta. Manilow.
- Rose, por favor.
- Ok. Muito bem, Rose, conte-me tudo que sabe e tudo que viu.
- Eu faço faxina pro pessoal do bairro, sr. Rocket, e achei que alguém tinha me indicado, não sei. Bom, anteontem eu cheguei em casa no fim da tarde e após o banho, já estava cochilando, quando o telefone tocou. Era o John Keats.
- Como era a voz dele?
- Grossa, mas meio fanhosa. Vai ver tava gripado, parecia estar.
- Prossiga, o que ele disse?
- Que queria que eu fizesse faxina no aquário na noite do dia seguinte, e que deixaria a chave e o dinheiro na caixa de correio.
- E você não achou isso estranho?
- Achei sim, sr. Rocket, mas a vida não tá fácil, e não posso negar cliente porque é estranho.
- Claro, claro. Continue.
- À noite vi que a chave estava lá e o pagamento também, e fui à loja, que fica a quatro ruas da minha casa. Quando abri a porta, vi... a... o sr. sabe, a...
- A moça.
- É, é. E saí correndo pra casa, deixei tudo escancarado, e tava chorando alto. Corri pra minha mãe, e ela ligou pra polícia, que pediu que eu voltasse ao aquário. E aí o sr. sabe.
- O sr. Keats não voltou a entrar em contato, não é?
- Não, não. E eu deixei a chave com o policial.
- Bem, eu agradeço a colaboração de vocês. Se precisar, voltarei a ligar. E me procure caso lembre de algo.

Nenhuma novidade.

Eu tinha pedido a dois policiais que já trabalharam comigo que interrogassem as pessoas, cada um na região de um crime, e que me avisassem caso encontrassem algum fato importante, encaminhando a testemunha para a delegacia, onde eu a interrogaria novamente. Então, um dos dois me telefonou:
- Paul!
- Boas notícias, Jones?
- Encontrei um cara que conhece o Dennis Brown que deixou impressões no quarto.
- Sério? Traga-o pra cá agora!
- Talvez o sr. prefira logo investigar a pista quente que ele deu.
- Qual?
- Um possível endereço do suspeito.

Anotei o endereço e já estava me preparando para ir ao local, quando Charles me ligou.
- Paul, relato preliminar da perícia: a outra garota morreu no domingo, não foi? Pois essa está morta desde a noite de sexta!
- Sexta?? Bom Deus!!
- Decididamente o assassino deve ser o mesmo. As mortes são semelhantes. Estava viva quando abriu o abdômen da mesma forma. E tudo indica que a mesma substância a matou, pois já identifiquei degradação do fígado.
- E o Joe?
- Na mesma. Só impressões da própria garota. Ele já está tentando identificá-la, qualquer coisa ligamos.
- Ok, Angela vai falar com você sobre nosso quartel-general. Até mais, Charles.

O assassino não parece cometer erros. Mas vamos ver se o sr. Brown fornece pistas melhores.

Já era quase meio-dia quando saí de carro acompanhado por um policial para ver se encontrava o sr. Brown.
O endereço era num bairro afastado, na periferia da cidade.
O policial estacionou em frente a um pequeno cortiço, com vários aglomerados de casas e quartos alugados. Descemos do carro e batemos numa porta suja. Dela surgiu uma senhora gorda com vassoura em mãos.
- Que é?
- Reside aqui um senhor Dennis T. Brown?
- Sim, mas ele num tá não. Tem uns dia que num aparece.
- Somos da polícia e queremos olhar o quarto dele, algum problema?
- Ele robô neguinho por aí?
- Não, minha senhora, só queremos conversar com ele e vistoriar seu quarto.
- Vô pegá a chave.
A senhora sumiu alguns instantes, nos deixando na porta, e voltou, sem a vassoura e com um molho imenso de chaves na mão.
- Como a senhora se chama?
- Mary. Vamo, é por aqui.
Então ela nos levou a um portão do lado direito da casa, o abriu e nos fez entrar. Era um corredor largo, com um pouco de lodo e musgo no chão, e paredes degradadas pela umidade. No teto tinha algumas vigas curvas de cimento, e ramificações de plantas se enroscando pela parede, demonstrando que aquele lugar talvez um dia já tenha sido belo e agradável.
Ao lado esquerdo tinha uma porta, e eu já estava me dirigindo a ela, mas a senhora Mary seguiu adiante, até um portão baixo de madeira. Empurrou-o bruscamente e nos vimos numa área mal-cuidada, com muito mato, ervas daninhas, e algumas belas flores contrastando com a paisagem. No fundo tinha uma larga porta de madeira, parcialmente bloqueada por uma antena caída.
A senhora Mary enfiou uma chave antiga na porta e a abriu, empurrando com dificuldade.
- Ceis pode olhá a vontade aí, depois me chama na porta preu fechá.
- Obrigado, senhora Mary.
Adentrei na escuridão do recinto, disposto a descobrir que mistérios estavam por trás do sr. Brown.


(inspirado na imagem acima)


Pedi a Angela que solicitasse ao sr. Hughes para alugarmos o prédio dele como sede, e entrei na minha sala para ver os e-mails. Minha eficiente secretária, que sempre madrugava no trabalho, tinha me enviado uma mensagem com a agenda de entrevistas da manhã.
09:00 - William Hughes
10:00 - sra. e srta. Manilow
Eram 8:15, então pedi que Angela me pusesse em contato com o pessoal da perícia. Ela ligou pro celular de Charles e transferiu pra mim.
- Paul.
- Charles, você e Joe foram fazer a perícia no aquário?
- Estamos aqui, acho que em uma hora podemos te dar alguma coisa. Mas tenho notícias a você sobre a outra vítima.
- Você conseguiu obter a causa da morte?
- Sim. Foi difícil, quase não dormi essa noite, mas cheguei a uma conclusão.
- Insuficiência respiratória? Parada cardíaca?
- Antes fosse. Ela foi envenenada. E por uma substância não-identificada. Nenhum dos resíduos encontrados é letal. A pessoa que fez o veneno provavelmente tem avançados conhecimentos químicos, pois obteve algo novo, ou desconhecido. O veneno agiu de forma lenta, então ela já estava envenenada quando ele abriu o abdômen, mas só morreu depois disso, de falência de alguns órgãos vitais, como fígado e rins. Enviei amostras para um amigo mais experiente, veremos se ele esclarece a questão.
- Certo. E Joe identificou a garota?
- Sim, Julia Edwards Grynspan, 15 anos.
- Ok. Assim que tiverem notícias da segunda vítima, me comuniquem.
Pedi que Angela obtivesse a ficha da garota e comunicasse aos pais do ocorrido, além de requisitá-los para depoimento, já na nossa sede de operações.
Após alguns instantes, Angela comunicou que o sr. Hughes estava na delegacia. Eu disse que ele podia entrar.
- Bom dia, sr. Hughes. Sente-se, por favor. Meu nome é Paul Rocket, e sou o responsável pelo caso.
William Hughes tinha 55 anos e possuía alguns imóveis, que alugava de maneira informal para diversas pessoas, por tempos variados.
- Quero que o senhor me conte quem alugou aquele seu imóvel e que contatos teve com a pessoa.
- Foi um homem chamado James Joyce. Ele me telefonou e disse que tinha visto meu imóvel e a placa com meu número e queria alugar por alguns meses. Marcamos de nos encontrar num bar nas proximidades do edifício, ele pegou as chaves e me deixou pago em dinheiro por três meses.
- Como ele era? Quero que me diga tudo que se lembrar a respeito.
- Bem, era um senhor de idade, quase careca. Tinha apenas uns tufos de cabelos brancos na parte de trás. E andava com dificuldade, apoiado em uma bengala. Tinha voz de quem é asmático, e tremia um pouco. Parecia bem fraco e adoentado.
- E o que o senhor pensou dele?
- Sr. Rocket, conversamos muito pouco, não mais que 5 ou 10 minutos. Tive apenas pena de um homem velho como aquele ter que subir toda a escadaria.
Nesse instante, o comunicador tocou.
- Sr. Rocket.
- Estou em depoimento, Angela.
- Eu sei, é que tem uma garota aqui, chama-se Josy Granger, e quer muito falar com o senhor. Está afobada e diz que é urgente.
- Ok, leve o sr. Hughes para o pessoal do retrato falado e mande a garota entrar.
Pedi ao sr. Hughes que falasse com Angela, e agradeci pela colaboração.
A srta. Granger entrou na minha sala soluçando.
- Acalme-se, srta. Granger.
- É que a garota morreu!!! E eu não fiz nada!! Nada!
- Calma! Que garota? Comece do início!
- Então, foi sexta-feira!
- O que foi sexta-feira?
- Eu lavo roupa, sabe, e estava estendendo alguns lençóis que a sra. Baggy tinha deixado pra lavar. E vi a moça entrando no aquário.
- Que moça?
- A moça que foi morta.
- A srta. viu ela entrando no aquário sexta?
- Então, eu tava estendendo os lençóis, e vi. Aquela loja tá desocupada há um tempão, e estranhei quando vi entrando a moça meio oriental, e ela estava acompanhada por um cara que me deu medo.
- Como era ele?
- Estava todo de preto, com as calças dobradas acima dos tornozelos. Parecia bem magro e não era muito alto. Usava um chapéu comum, um guarda-chuvas e estava descalço! Como alguém anda descalço naquele sol quente? Eu comentei com a sra. Baggy e ela disse que tem gente que é acostumada. Eu não sei não, pra mim é coisa de doido.
- Que horas eram?
- Antes do almoço. O almoço na casa da sra. Baggy é servido às 12:15 em ponto. O sr. sabe, ela gosta de tudo na hora.
- E você não viu o cara sair?
- Não, depois do almoço eu fui ajudar a Mimmy a lavar a louça. Na casa da sra. Baggy tem muita louça, aquele batalhão de gente! E eu tinha que esperar os lençóis secarem pra poder passar. Por isso fiquei ajudando a Mimmy, ela é tão fraquinha, nunca dá conta do serviço. E a sra. Baggy paga muito mal a coitada. Mas como eu ia dizendo, eu vi o tipo estranho e não fiz nada!
- Tudo bem, a srta. não tinha como saber. Muito obrigado, srta. Granger. Peça à minha secretária que a encaminhe pro retrato falado.
- Sim, senhor. O senhor é muito bondoso!
Que confusão! Eu tinha agora duas descrições distintas. Seria um grupo de assassinos? Algo não está encaixando bem aqui.


(inspirado na imagem acima, sugerida por Lucas Altamar)

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